quinta-feira, 20 de março de 2014

A porta, a menina, o mar e o céu.

Era uma vez uma porta, uma menina, o mar e o céu.

A porta ficava numa ruazinha bem estreita, não havia muros, paredes ou coisas assim, só a porta logo na eira da beira da calçada onde ficavam as portas, portões e todas as entradas das casas, mas naquele espaço não havia casa, casinha, mansão ou casebre, só a porta que estava fechada.

A menina morava na rua paralela da porta. Sempre que voltava da escola a menina passava por ali, atravessava a rua e olhava a porta, lá no fim, parava, pensava, entrava na rua da porta, parava na frente dela, dava uma volta entorno, suspirava e ia pra casa.

O mar, bem longe da porta e da menina, se preocupava apenas em fazer o que o mar faz, sem perturbar ou ser perturbado.

O céu está sempre no seu lugar, sempre a testemunha ocular de qualquer crime. O céu viu a porta, a menina, o mar ao longe e a menina mais uma vez circulando a porta.

A porta estava lá quando a menina chegou. E por lá ficou enquanto era observada.

A menina olhava a porta, todos os detalhes, a examinava por completo. A menina postou-se atrás da porta, a abriu, tudo que viu foi a rua, fechou a porta. Agora ela estava de frente e abriu a porta, puxando-a para si.

O mar invadiu a rua, engolindo primeiro a menina.

O céu assistiu a porta, o mar e a menina.

MR

sexta-feira, 14 de março de 2014

Crônicas de Xico Xá

Eu não queria sair aquela noite, estava cansada, andara o dia todo, mas minha irmã me convenceu que tudo que eu precisava era sair. Não para qualquer lugar, para um encontro literário onde falaria um que, para minha irmã, é muito querido.

Lá fui eu, na pressa e na fome, pro lugar onde nosso encontro foi marcado, minha irmã também estava na pressa, pois já estava atrasada, e na fome, ela estava muito atrasada. Finalmente ela chega, corremos, pro lado errado, depois acertamos o passo.

E chegou a hora, todos tomaram seu lugar na platéia e o dito cujo reivindicou seu lugar no palco. Mesmo sendo um bom evento, eventualmente, o cansaço levou a melhor e por muitas eu quase dormi, mas para o final eu me mantive mais acordada.

Agora conto o que realmente vim contar! Haveria um sorteio do mais novo livro do ilustre convidado! Rufem os tambores, a mão pega o papel e após a rápida espiada dos olhos a voz anuncia "Marina Laura!". Essa não sou eu. Do fundo vem a voz hesitante "Eu... já... tenho... será que... seria possível...".  Ela vai mandar fazer outro sorteio!. "... eu pegar autógrafo nos dois?".

Vaca.

MR

domingo, 15 de dezembro de 2013

Falando De Memórias...

Sentia que havia algo preso, alguma coisa que me perturbava, pois tenho consciência que havia dito ou feito tudo que precisava, então o que poderia restar? O que resta? E era isso, isso que ainda estava preso, que tinha lugar em minha mente, o que resta?

Essa pergunta estava me consumindo, já não restava nada. Alguns diriam "mas e as lembranças? Elas não bastam?". Será que bastaria uma imagem recriada pelo cérebro de um tempo... como sonhos?, mas sonhos não bastam, nunca é aconselhável só sonhar, precisa-se de realidade, que só existe no agora, quando o cérebro não recria, mas interpreta imagens, quando não se é sonho.

E não pense que acho que sonhos são totalmente dispensáveis! Sou grata as lembranças, é claro. É muito bom lembrar, ter sonhos, para não viver no vazio de uma realidade que se perde. Mas infelizmente, não creio ser capaz de aceitar que você não está aqui, agora. E assim eu notei qual era realmente o problema que me afligia. O que me corrói é não poder enfrentar o sonho que você se tornou.

MR

A Árvore de Memórias

Numa cidadezinha, longe de muitas outras cidadezinhas, as coisas eram um tanto quanto confusas. Se alguém comprava pão pela manhã e dizia ao senhor padeiro que pagaria no dia seguinte, muito provavelmente aquilo seria esquecido até a hora do almoço, nem padeiro, nem ninguém lembraria do dinheiro a receber pelo pão. Isso não era maldade, imagine que um dia uma senhora volta pra casa e encontra três crianças a esperar na sala, mas nenhum dos presentes se conhecem, e eu posso garantir pra você que essa senhora gentil cuidou muito bem das crianças, até sem lembrar o que elas faziam ali.

Essa falta de memória dos habitantes daquela cidadezinha, quando alguém lembrava que esse problema existia, era uma coisa desconcertante e desconfortável para eles. Com muita dificuldade os habitantes decidiram que, no momento que se lembrassem de algo,  colocaria essa memória numa árvore. Não me pergunte da onde veio a árvore, nem como ela foi a escolhida dentre tantas outras, ninguém lá lembra. Mas foi o que fizeram, depositaram todas suas memórias lá, uma a uma, bem aos pouquinhos.

Pode parecer uma tarefa simples pra você que lembra que roupa usava no seu aniversário ano passado ou o que comeu na janta ontem, só que pra eles não, tinham que lembrar de algo, depois lembrar que tinham que colocar isso na árvore e lembrar dos dois ao mesmo tempo quando chegassem a árvore. Foi complicado, mas a árvore encheu e nem mesmo o guardião da árvore lembra quanto tempo levou e ninguém lembra do guardião, ele mesmo se pergunta se existiu algum.

Não fiquem tristes por essa cidadezinha longe, sem memórias e sem passado, quanto mais a árvore enchia, quanto mais ela crescia, quanto mais os habitantes lembravam das duas coisas ao mesmo tempo, mais todos se lembravam.

Hoje há até quem diga que a senhora que voltou pra casa e encontrou as três crianças lembra o nome de cada uma delas! Mesmo esquecendo por vez ou outra que estes são seus filhos. 


MR

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

você foi e eu fiquei.

Cheguei em São Paulo e, como havia imaginado, não fazia Sol. O céu estava nublado. Fazia frio. Cheguei em casa, cansada. Mas mesmo assim eu saí. E é como se saísse já sabendo. Sabendo de tudo que viria. Apenas a ansiedade de chegar o pior. Fui até aquele lugar, onde a fotografia era azul. Tudo azul e frio. Eu vi as pessoas pelo caminho. Sentei no sofá. Conversei com umas ou outras, tentando esquecer o que estava realmente acontecendo. Meu rosto estava salgado, ardia. Depois de algum tempo eu entrei naquele quarto. Eu te vi, mas não te toquei, não consegui falar com você. Estava estática. Naquele momento queria apenas te olhar. Era o que bastava. Eu sabia que você sabia que eu estava ali. Fui embora. Cheguei em casa e sentei no meu sofá. O telefone tocou. Não fui eu quem atendi. E aí a voz ao meu lado me disse tudo que eu não queria, porém esperava ouvir. Toda a ansiedade anterior se havia se diluído naquele momento. Porém a tristeza tomou conta de todo o meu corpo. Tentei dormi. Acho que dormi. Acordei com um peso na cabeça, com o corpo doente. Meu corpo não queria levantar, nunca mais. A dor era física. Mas eu consegui, eu saí dali. E eu fui novamente para uma nova viagem. Fingindo não sentir o que sentia, fingindo rir, e rindo realmente. E chegando lá com aquele grupo de pessoas, senti que todos sentiam o mesmo que eu. Todos choravam por dentro, choravam dentro de si, por sua juventude perdida naquele momento. Aquele momento em que nos dávamos conta da finitude de tudo. Da certeza que não éramos tão invulneráveis ao fim. Ele chegaria mais cedo ou mais tarde. E foi mais cedo. Não o nosso, mas o seu. Mas um pouco nosso, porque morreria também um pedaço de cada um de nós. Eu não queria te ver aquele dia. Mas senti que deveria. Eu vi você indo, indo embora, pra sempre. Você foi e eu fiquei. Eu estou.

sábado, 17 de agosto de 2013

Deixa Sem Título

Acordei, assim, cheia de lágrimas nos olhos, mas eu não chorava de fato, as lágrimas só escorriam, como se tivessem vontade própria, como se estivem escorrido a noite toda, mas só agora, que eu acordava, me dava conta delas. Limpei todas e as forcei para que parassem, não estou chorando! 

Levantando da cama senti que estava pesada e um tanto vazia e, sem saber como isso era possível e muito menos como resolver, fui seguindo meu dia, banho, comida, sofá... era noite. E só me dei conta desse fato quando fui procurar o controle da televisão, que agora era a única fonte de luz.

Com o controle na mão não consegui decidir o que fazer, já era noite, não queria levantar e mesmo assim precisava de algo. Fui até a cozinha, coloquei pães de queijo pra assar, voltei pra sala. Não sei quanto tempo passou, o cheiro dos pães estava forte, fui até lá, estavam todos queimados. Coloquei-os num prato e voltei pra minha unica fonte de luz, comi um a um, como se não tivesse importância o gosto horrível de queimado, enfiei todos goela abaixo.

Ainda nesse meio transe de não querer sair do lugar e tentar ficar inteira assisti uma coisa muito cor-de-rosa. Foi muito bom, me sentia normal de novo, só que quando acabou, acabou. Então notei que era isso, me alimentava de breves particularidades que só eram capazes de preencher breves momentos, nada conseguia ficar. Estaria eu muito pesada para deixa-las entrar? Ou muito vazia para que elas ficassem? Com certeza muito cansada pra pensar nisso.

Fui dormir.

MR



segunda-feira, 12 de agosto de 2013

A Carta (Outra Vez Para Ela)

A gente se conheceu num acidente nada trágico. Foram algumas várias conversas pra finalmente saber quem era você. Mas nada tira a lembrança da primeira vez que nos vimos, você estava atrasada, como eu descobriria mais tarde, isso era sua marca registrada. Vimos um filme de um nome estranho, nem me lembro a história, porque o que importa aqui foi que, depois disso, só mais atrasos e mais conversas.

A distância sempre é um fator que pode atrapalhar, afinal é longe estar longe e longe, como eu ouvi numa peça, é um lugar que a gente nunca vai. E você veio! Você veio! Escondida atrás da parede da cozinha! Você, ali, sorrindo para uma grande surpresa que eu estragaria e você então sorriria mais ainda.

Quando dei por mim, já não via mais seu sorriso, mas a menção de seu nome, de uma possível visita, era meu sorriso que podia ser visto e isso nunca mudou. Palavras antigas ficam na minha cabeça "recebe-la-ei da mesma forma", foi isso que aconteceu, fiz do "às vezes" momentos eternos que sempre aconteciam sem nenhum espaço de tempo.

Acho que isso já diz pouco do muito, resume, assim, em suma, tudo. "Recebe-la-ei da mesma forma", já que pra mim não faz diferença se lhe vi ontem ou há 10 anos, você tem lugar marcado, cativo, sem possibilidade de troca. Entende? Muitas pessoas não, só que não importa, já que isso aqui não é pra elas, é pra você... outra vez, sempre mais uma.

MR