sexta-feira, 25 de setembro de 2015

A sombra


Eu não sei como isso aconteceu, parece que estava sentado naquela poltrona há mais ou menos dez anos. Engraçado que não consigo me lembrar de quase nada depois da última vez que abri a porta, a não ser do rosto dela. Mas também não tenho certeza que ela tenha realmente entrado em casa.
                                                                      *        

Mais uma noite em que meu coração batia lento, sem pressa, sentado na poltrona da sala esperando o tempo passar. Ou parar, talvez. Afinal, não havia motivos para que a manhã chegasse.
Lá fora uma garoa fina caía.
Escutei algo bater na porta, mas imaginei que fosse o vento. Ouvi novamente e então me levantei. Ao abrir a porta me deparei com a figura de uma mulher, ela carregava duas malas e vestia um sobretudo preto. Não perguntei quem era ela, deixei-a entrar. Ela tampouco se preocupou em apresentar-se. Seu rosto tinha algo de familiar, mas não conseguia me lembrar ao certo. Imaginei que fosse culpa da má iluminação de minha casa.
Ela olhava tudo em volta com um ar de superioridade, como quem já conhecesse aquele lugar e o julgava sem medo. Finalmente resolvi perguntar quem era ela.
- Gostaria de um lugar para ficar, apenas por uma noite. Não se preocupe, posso dormir no sofá se for preciso – disse ela, ignorando minha pergunta.
- O seu rosto me parece familiar, mas não consigo me lembrar de onde te conheço. Quem é você? – insisti.
Ela continuava a me ignorar e me respondeu que a casa tinha a minha cara.
- Ouvi dizer que trabalha como entregador no mercadinho da esquina, cansou-se dos livros? Muito me admira essa sua guinada ao trabalho braçal.
Apenas me calei diante de sua fala. Como seria possível que soubesse disso?
- Você tem uma mania horrível de desconfiar de tudo e todos. Isso é realmente muito chato! Achei que com o passar dos anos iria diminuir, mas, ao que me parece, só aumentou.
- Onde estão suas malas? – perguntei atordoado com aquelas informações. Como seria possível ela dizer aquelas coisas?
- Devidamente acomodadas embaixo da cama – ela disse como quem já se sentia totalmente confortável.
*
Eu não sabia quem era ela, mas deixei ela ficar. Ela conhecia todos os buracos e rachaduras das paredes. Ela tinha acabado de entrar, mas a presença dela já fazia parte daquela casa há anos e, só agora, eu conseguia enfim vê-la.
*
Sentada na poltrona, ela me perguntou se não iria oferecer uma bebida, porque afinal, segundo ela, as noites são longas e algumas até parecem anos. Fui até à cozinha e voltei com um copo de whisky.
- Mas que porcaria de whisky! Isso me lembra aqueles jantares horrorosos na casa da sua avó. Eu me lembro de você se escondendo nos cantos para não ter que falar com ninguém. – disse a Mulher, obviamente irritada por tê-la oferecido um dos meus piores whiskys.
Perguntei do que ela estava falando, ela apenas me respondeu com um sorriso irônico.
A mulher levantou-se com seu copo e andou em círculos pela sala, e então me disse:
- Francamente, esse lugar é desprezível! Um amontoado de coisas velhas. O pior de tudo é o que você guarda embaixo da cama e dentro dos armários. Terrível!
Fiquei sem jeito e um pouco irritado, afinal foi ela quem entrou aqui sem mais nem menos.
- Mas eu nem te convidei para entrar. – disse à ela.
- Você nunca convidou ninguém, nunca fez nada sem sua mãe. Me espanta ver que conseguiu chegar até aqui, ainda que esse “aqui” seja assim. Sua sorte é que depois da sua mãe, ainda teve Marta. Por falar nisso, onde está ela?
Marta? Ela não podia estar falando sério. Quem pensa que é, pra chegar em minha casa e despejar todas essas coisas?! Não tive tempo de responder. Ela logo começou a falar:
- Não! Não fala! Deixa que eu adivinho... foi embora? Te deixou? Sumiu? Sabia! Com certeza cansou-se de ser sua babá. Deve ser terrível viver com um homem como você. Olho para sua cara e fico imaginando como vocês transavam. Você não devia gostar, não é? Seria como transar com sua mãe. Patético!

*
A verdade é que um dia eu acordei e Marta, minha mulher, não estava mais aqui. A mesa do café da manhã estava posta, a xícara ainda estava quente quando cheguei à cozinha. As roupas dela ainda estavam no armário, então imaginei que voltaria mais cedo ou mais tarde. Ela vai voltar. Eu acho.

*

Estava cada vez mais irritado com aquela mulher.
- Não lhe devo explicação alguma. – eu disse.
- Como não? Você me deve muito. É inaceitável que seja assim tão imbecil. Marta não irá voltar. Sua mãe muito menos.
- Como sabe disso?
- É óbvio! Você sabe disso também. Aliás, você teve certeza disso na hora em que Marta, sem hesitar, girou a maçaneta da porta. Ela não precisou lhe dizer nada, havia um silêncio retumbante.
Ela havia ultrapassado todos os limites. Não era nada daquilo. Não era bem assim. Ela não sabia de nada. Ela não podia saber de mim.
- Pode tentar dizer o que quiser. Mas, de fato, o que te aflige é que não pode suportar suas próprias fragilidades, prefere fugir. Deixou morrer sua mãe em uma cama de hospital, sozinha. Incrível como ainda consegue dormir com isso.
Fiquei aflito, comecei a tremer e suar frio. Perguntei-a de quem estava falando. Ela me olhou calmamente e pediu que pegasse uma bebida para mim e enchesse seu copo.

*
Somente um idiota pode esconder sua própria sombra; inveja, humilhação, repressão, e toda sorte de sentimentos que não estamos dispostos a sentir. Não é simplesmente por estarem no escuro que desapareceram, ainda continuamos a senti-los no buraco da alma, eles passam por lá, indo e vindo, mas todas as vezes que passam, grudam nas paredes, são na verdade o próprio buraco.

*
Eu não sei ao certo porquê, mas comecei a me explicar.
- Não foi minha intenção, eu não sabia o que fazer. Aquele lugar fedia. Você já sentiu o cheiro da morte?
- É igual ao seu e o meu.
- Não.
- A gente apodrece um pouco mais a cada dia. Até que chega o dia em que nossas entranhas estão todas corroídas e não se pode mais sustentar a vida. Me fala a verdade, você não suporta estar perto de nenhum ser humano, até mesmo dos que cheiram mais vida do que morte.
De onde ela tirou aquilo? Não fazia o menor sentido. Até que ela me disse que era algo muito fácil de perceber, pois não havia ninguém lá, além de mim.

*
Eu não suportava Marta, não suportava minha mãe, minha avó. Elas riam, riam demais! Viviam como se nunca fossem morrer.
 Eu não quero lembrar disso.

*

Eu sabia porque ela estava lá. Pessoas que aparecem na sua casa depois do sol se pôr, são como ratos e baratas.
- Você é despresível! Nem sei porque te deixei ficar tanto tempo – eu disse.
- Você sabe sim.
Eu não queria mais falar daquilo, não queria falar de nada sobre mim. Perguntei-a porque não falava sobre ela.
- Não há nada que eu possa dizer que você já não saiba. – disse ela.
- Você é completamente maluca.
- Existem só dois tipos de coisas na vida: aquelas que acreditamos existir e aquelas que ignoramos. As ignoradas, geralmente, são as que nos trazem mais sofrimento.
- Não vai falar nada sobre você? – insisti.
- Eu já disse.
Fiquei nervoso e gritei:
- Por que meu copo está vazio? Traga o maldito whisky!
Ela me respondeu que eu havia bebido a garrafa inteira.
- Por que você não pega as suas coisas e vai embora? Já está quase amanhecendo. – disse já sem a menor paciência.
- Que coisas? – ela respondeu.

*

Ela estava aqui, não só naquela noite, mas em todas as outras. Bebendo meu whisky ruim e arranhando minhas paredes. Mas quando amanhece, ela dorme e depois se arrasta pelo dia com sua ressaca, esperando o próximo copo de whisky.

domingo, 2 de agosto de 2015

Uma História. Depois a gente pensa em algo melhor...

Era uma vez, num reino qualquer, uma caneta que, dizem, era mágica. Essa caneta há muito estava perdida e ninguém tinha qualquer ilusão ou expectativa de encontra-la Quer dizer, qual é?! Uma caneta mágica perdida e NINGUÉM tem "ilusão ou expectativa de encontra-la"?! Me poupem! Deixa comigo!  
Era uma vez num reino qualquer uma caneta que, dizem, era mágica. Essa caneta há muito estava perdida e ninguém tinha qualquer ilusão ou expectativa de encontra-la, exceto uma pessoa. Agora melhorou, pode seguir! 
Essa pessoa era... Linda! Maravilhosa! Muito valente e astuta!... como queira. 
Essa pessoa possuía beleza inigualável, Gosto disso! sua valentia e esperteza já eram famosas. Pode me chamar de Ari Onde quer que Ari fosse procurava aventuras e é assim que nossa história começa. Minha história você quer dizer! Bora lá! 
Ari chegou a esse reino sem pretensões além de descansar após sua ultima aventura, porém... 
- ... Dizem que é mágica! - Ari ouviu o Bêbado dizer ao taberneiro. 
- Mas que bobagem! - respondeu o taberneiro - Isso é história pra criança dormir, Augusto! 
- Dizem, não dizem? - retrucou o Bêbado. 
- O que dizem? - se meteu no meio Ari. Hey! Não sou fuxiqueira! 
- O que dizem? - indagou Ari curiosa. 
- Ah, valente Ari, não ligue para o que o Augusto diz! É só um velho bêbado - tratou logo de responder o taberneiro. 
- Mas aí que quero mesmo saber! Bêbados não tem muitas habilidades de mentir e são desacreditados, serão sempre as únicas testemunhas vivas de algo que se exige silêncio e segredos. Conte-me seu Augusto! E mais uma rodada por minha conta! 
O Bêbado Ele tem nome já! Poxa! 
Seu Augusto então contou que havia uma rainha muito querida por todos, mas que ficou terrivelmente doente. Quando não havia mais esperanças, em solidariedade, um escritor prometeu escrever uma história, pois se na vida real já não tinham mais chances, pelo menos ela poderia viver para sempre em sua história. Nossa ein! Que cara legal... 
O escritor pensou e pensou, mas tudo que conseguiu escrever naquela noite após a promessa foi Então a noite, quando todos estão quietos, uma luz ilumina o quarto da Rainha e tão rápido ela brilha, mais rápido ela desaparece. E quando o sol surge, surge para a Rainha vida". E para sua grande surpresa esse foi o relato dado pela rainha em resposta para a sua cura milagrosa. 
- O escritor manteve segredo até a sua morte ou pelo menos foi o que ele pensou, pois alguém soube e alguém testou a caneta! Pense em todos os ricos sem explicação, as colheitas fartas em tempos difíceis! Nunca são vários é sempre um indivíduo ou uma família que tem a sorte grande! Essa caneta existe! - Terminou o Bêbado ? Bêbado quem? Augusto. 
- Alguma pista de seu paradeiro? 
- Não. Nenhuma. 
- Eu disse que era bobagem! Ah, pera aí, como vou ter uma aventura assim? Dê alguma pista! Você deve saber de algo, vamos lá! 
- Bom, dizem que a família Caprezzi foi a ultima a possui-la, mas que levaram o paradeiro da caneta pro tumulo! -  Augusto finalizou satisfeito. 
- Eu disse que era bobagem! O ultimo Caprezzi morreu há mais de cem anos! É fácil inventar qualquer coisa. - Finalizou satisfeito o taberneiro.  
- Agradeço a história seu Augusto, mais uma por minha conta... e taberneio, poderia me dizer onde fica o solar da família CaprezziAh, agora sim vai ter história! 
Ari vai ao majestoso e imponente solar dos Caprezzi e lá procura pelo cemitério da família. Ai! Que mórbido! Espero que tenha um bom motivo Finalmente encontra o túmulo de Arthur CaprezziTá, e daí? 
Finalmente encontra o túmulo de Arthur Caprezzi, então pega a pá que trouxe consigo e começa a cavar. Arrgh 
Dentro do caixão, junto com os ossos do ultimo Caprezzi e suas roupas, Que nojo Ari vê um bilhete que diz: 

"Não está comigo o que procuras. 
Tenhas cuidado! Não vá atrás da caneta! 
Fada Perez a guardará em segurança 
A.C"  

Fim.  
Oi? Como assim?! Nada feito! Me leve até essa fada já! Dá seus pulos! 

Ari já havia encontrado Fada Perez em uma de suas tantas aventuras e sabia exatamente porquê deveria ter cuidado, mas ela não se deteu Gostei disso e foi aos domínios da Fada. 
Ao chegar ao grande portão Ari gritou: 
- Fada Perez! Fada Perez! Tens algo que quero e eu algo que queres! 
Os portões se abriram tão somente o suficiente para que Ari o atravessasse e se fechou. Ari seguiu o caminho indicado por luzes brilhosas, caminho que ela sabia, a levaria até a Fada. 
Chegando a uma árvore de tronco dourado  e folhas de esmeralda, Ari parou e logo ouviu: 
- O que queres? 
- A caneta do Caprezzi - logo Ari respondeu. 
- O que tens? 
- Minha boa vontade de obedecer há uma só ordem sua. 
- Pois bem, se mate e terás a caneta! 
Quê?!?!?! Tá doido? Pede outra coisa! 
- Pois bem, me faça um favor e terás a caneta! - só depois de dizer isso Fada Perez se revelou deitada nas raízes da árvore com uma cara angelical, mas com uma postura soberba. 
- Diga-me o que queres! 
- Ora, como já somos amigas - sua voz era adocicada com um fundo ácido. - acho que posso pedir algo pessoal. 
- Tudo o que quiseres, Fada Perez! Valorizo sua amizade. Ari que vendida! Mas aposto que é um truque! Né? 
- Pois bem, pois bem, vá a montanha Circular e me traga minha echarpe de céu! 
- Queres tua echarpe? Essa é vossa ordem? 
- Sim! Pois vá! 
Ari então mexe em sua bolsa-tira-colo e de lá puxa uma echarpe tão azul quanto o céu. 
- Aqui está. - Ari oferece a echarpe para a Fada. 
- Mas... você não... 
- Ora minha amiga! Como boa amiga que sou já sabia que querias vossa echarpe e a peguei antes de vir! Agora a caneta! Sabia que eu tinha tudo planejado! 
Fada Perez se contorceu de raiva, sabia que havia perdido essa rodada. Assim que eu gosto! Deu a caneta e pegou a echarpe. 
A ultima coisa que Ari pensou ao ir embora foi sobre sua esperteza ao recolher a echarpe azul do túmulo de Arthur Caprezzi Eu fiz isso? Jura? Ok né... que coincidência ela pedir algo que eu achei num túmulo, mas segue aí. 
Dizem que Fada Perez ainda espera Ari para vingar-se e Ari Bom, acho melhor não dizer, manter segredo, não quero essa Fada na minha cola. 
Dizem que Fada Perez ainda espera Ari para vingar-se. Não se ouviu falar mais de Ari, nem mesmo seu Augusto ou o taberneiro, mas eu sei que ela está por aí nas suas aventuras. É isso! Gostei! Pode acabar! 




Fim.