sábado, 21 de janeiro de 2012

Ela me disse...




Ela me disse que levanta todas as manhãs com vontade de se deitar de novo
Ela me disse que na verdade nunca vê o sol nascer
Ela me disse que é bem melhor quando ele se põe
Ela me disse que não consegue sair de lá
Disse que não consegue ver
Ela me disse que quer ver pessoas
Ma s disse também que não as suporta
Ela me disse que então é bem melhor sair de olhos fechados
E ela saiu
Pedi a ela que me contasse o que viu de olhos fechados
Ela me disse que viu bem mais do que eu de olhos abertos
Ela me disse que finalmente abriu a porta
O medo de abrir a invadiu, porém ela não desistiu
Pôs os pés pra fora, e não sabia se era dia ou noite
Ela me disse que podia sentir o vento como nunca sentira
E que pelo jeito que o vento soprava, parecia ser de noite
Ela me disse que caminhou pelas ruas
Sentiu o asfalto nos seus pés, mesmo estando calçada
Ela me disse que podia sentir todos os passos dos que caminhavam ou caminharam por lá
Eu perguntei a ela como isso seria possível
Ela me disse que o asfalto tinha marcas, assim como as pessoas que passaram por lá
Marcas profundas, outras mais leves
E ela me disse que era assim dentro de todo mundo
Ela continuou a caminhar
E me disse que podia sentir todas as pessoas ao seu redor
Mas que porém ainda se sentia sozinha, andando livremente como se nada nem ninguém pudesse interferir
Perguntei a ela como poderia se sentir sozinha se a cidade nunca dorme
Ela me disse que a cidade dormia de olhos abertos
Mas ela me disse que apesar de se sentir sozinha, de olhos fechados ela podia sentir todo o resto que ninguém podia
Foi quando então sentiu um pingo de água cair bem de cima e tocar toda a sua face
E os pingos se multiplicaram e tocaram todo o seu corpo
E aí ela me disse que foi a primeira vez que sentira algo tão perto de si mesma
Ela me disse que sentiu medo e frio, mas que mesmo assim continuou a caminhar
E que a partir daí começou a ouvir os barulhos da cidade
E sentiu mais medo
Ela me disse que se sentiu atordoada e quis voltar para o começo
Os sons não faziam o menor sentido
Ela começou a se perguntar como eles podiam fazer aquilo
Ela me disse que o silêncio deveria ser mais apreciado
Ela me disse que de olhos fechados podia ver cada um dentro de suas casas, com as luzes acesas, as TVs ligadas e chorando em silêncio mesmo com todo o barulho
Ela parou e se sentou em um lugar qualquer onde pôde tocar uma arvore
E sentiu como se a árvore fosse a coisa mais viva que pudera tocar naquela cidade toda
Ela me disse que se levantou e que finalmente todas as luzes se apagaram
E que tudo voltou a se silenciar novamente
Ela me disse que agora sim podia sentir as pessoas respirando
E que agora não era mais o vento, mas sim o ar vindo de todas as pessoas que se calaram e respiravam em silêncio, que a tocavam
Ela me disse então que resolveu voltar
Continuou a caminhar de olhos fechados até sua porta
Ela abriu a porta e os olhos
Ela me disse que não conseguia mais ver nada.



P.R

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